Riscos para a saúde do comércio de cosméticos na América Latina
Nos mercados ao ar livre do México, você pode encontrar uma grande variedade de cosméticos e maquiagens baratos, muitas vezes vendidos sem qualquer inspeção sanitária. Crédito: Aleida Rueda.
Nas cidades da América Latina, prospera um lucrativo comércio informal de cosméticos e produtos de higiene pessoal.
Mas, muitas vezes sem o conhecimento de quem os compra, muitos destes artigos estão contaminados com produtos químicos tóxicos e metais pesados. Eles são vendidos em grandes quantidades sem rótulos, advertências ou regulamentações.
Estudos revelam a presença de arsénico, mercúrio, chumbo e outros metais em batons, sombras, vernizes para unhas, clareadores de pele e produtos para cabelo vendidos a preços baixos em mercados e lojas informais.
No centro de Lima, centenas de pessoas lotam diariamente as movimentadas galerias ao redor do centro histórico de El Cercado para comprar cosméticos no atacado e no varejo, o que é amplamente ignorado pelos inspetores municipais.
“Venho aqui todos os meses para me abastecer (…) tudo aqui é muito barato”, disse Zenobia Urquiza, que dirige uma banca de mercado na província de Matucana.
“Aproveito para estocar alguns itens de maquiagem que vendem facilmente, por exemplo, agora que é Halloween estou trazendo sombras pretas, sombras fluorescentes, esmaltes pretos e de cores vivas”, disse ela ao SciDev.Net.
Nenhum desses produtos possui rótulo, marca ou certificado sanitário que identifique sua origem.
“Você quer qualidade ou preço? Se você quer qualidade, compre na Aruma (a maior rede de maquiagem do Peru) ou em um catálogo e isso vai custar um braço e uma perna”, disse um vendedor.
Embora os dados regionais sejam escassos, o mercado informal de beleza representa grandes perdas para as empresas. A Câmara de Comércio do Peru informou em 2024 que xampus, fragrâncias, cremes, batons, pó de talco e esmaltes falsificados custaram mais de US$ 260 milhões.
Alguns, no entanto, lucram enormemente. “Ganho cerca de 5.000 soles (cerca de 1.500 dólares) por dia só nesta banca, às vezes mais, às vezes menos (…), e no total tenho dez bancas”, disse o mesmo vendedor.
Os laboratórios clandestinos multiplicaram-se, produzindo cosméticos manualmente, muitas vezes em condições insalubres.
Em julho de 2025, as autoridades peruanas apreenderam quase duas toneladas de cosméticos e produtos de higiene falsificados em El Cercado – vencidos, adulterados ou sem registro sanitário.
“O preocupante deste caso é que o uso desses produtos elaborados com substâncias desconhecidas representa um risco à saúde, pois seu uso pode causar coceira, alergias, queda de cabelo e outros problemas de saúde mais graves”, explicou na época Rumi Cabrera, especialista do Ministério da Saúde do Peru.
Em um artigo de 2024 no diário Fronteiras na Saúde PúblicaAbdullah M. Alnuqaydan, pesquisador da Universidade Qassim, na Arábia Saudita, especializado em toxicidade cosmética, diz que as toxinas podem viajar para a corrente sanguínea através da absorção dérmica e representar um perigo real para o corpo humano.
Um problema regional
A tendência observada em Lima está a emergir em toda a América Latina, onde a procura por produtos de beleza e cuidados pessoais explodiu. O mercado formal da região foi avaliado em US$ 58,71 bilhões em 2024 e deverá atingir 95,06 mil milhões de dólares até 2034.
Luisa Torres Sánchez, do Instituto Nacional de Saúde Pública do México, acredita que a América Latina é particularmente vulnerável aos efeitos nocivos de alguns destes produtos. “Culturalmente, nós os usamos mais, mas também nossas condições socioeconômicas nos levam a optar por sacrificar a qualidade pelo preço”, disse ela ao SciDev.Net.
Somado a isso, produtos proibidos em outros países, como pesticidas ou plásticos, podem entrar livremente na América Latina devido a regulamentações fracas.
A Europa, por exemplo, banido esmaltes de gel semipermanentes contendo endurecedores tóxicos, como óxido de trimetilbenzoil difenilfosfina (TPO) e N,N-dimetil-p-toluidina (DMPT) a partir de setembro deste ano. Essas substâncias continuam sendo amplamente utilizadas na América Latina.
“Se forem proibidos na Europa, poderão chegar aos nossos mercados ao ar livre? Talvez estejamos a receber os produtos mais baratos e com maior concentração de substâncias tóxicas. Não sabemos”, alertou Torres.
Metais causadores de câncer
Os pesquisadores estão começando a mapear os riscos. Em 2023, como parte dela tese na Universidade Nacional de San Marcos, a química peruana Evelyn Santos analisou 30 batons dos mercados informais de Lima por meio de espectrofotometria de absorção atômica. Todos continham metais pesados – 0,6 ppm de cádmio e 0,2 ppm de mercúrio, em média.
De acordo com os padrões da Food and Drug Administration dos EUA, as amostras continham quantidades permitidas de mercúrio, mas os níveis de cádmio excediam os limites de segurança. Pelas normas mais rigorosas da UE, a maioria continha metais pesados muito acima dos limites permitidos.
“O que descobri em minha análise não elimina o alarme: os produtos para lábios comprados no centro de Lima contêm metais pesados, contêm cádmio e mercúrio”, alertou Santos.
“E a presença de metais pesados é muito arriscada, pois esses metais tendem a se acumular no corpo e não sabemos quais danos isso pode causar no futuro”.
Descobertas semelhantes surgiram no México. O pesquisador Francisco Bautista e sua equipe do Centro de Pesquisa em Geografia Ambiental da Universidade Nacional Autônoma do México analisaram cosméticos vendidos em mercados de rua mexicanos, usando espectrofotometria, fluorescência de raios X e microscopia eletrônica de varredura.
Eles encontraram altas concentrações de vanádio – um metal cancerígeno – em batons de gama baixa e média, “variando de centenas (…) a milhares”, de acordo com um estudo. artigo publicado no México Revista de Saúde Pública
“O envenenamento agudo por vanádio afeta os sistemas respiratório e digestivo e causa palpitações cardíacas, exaustão, depressão e tremores nos dedos e nas mãos”, dizia o artigo.
Os pesquisadores também detectaram cobre, níquel, estanho, clorato de chumbo e outros minerais, especialmente em marcas mais baratas.
“Idealmente, metais pesados como chumbo, níquel, vanádio e cádmio não deveriam estar entre os componentes dos batons, pois não existem concentrações seguras para o corpo humano”, acrescentaram.
Crianças em risco
Crianças e adolescentes também são cada vez mais afetados. “As estudantes compram muita maquiagem porque é barata e permite que elas estejam na moda”, diz Urquiza, comerciante do mercado peruano.
UM estudar em São Paulo encontraram altos níveis de arsênico na maquiagem de fantasias infantis, com riscos de câncer excedendo os limites aceitos.
Enquanto isso, os adolescentes, influenciados pelas redes sociais, costumam usar produtos desenvolvidos para a pele adulta. Especialistas alertam que isso pode levar a riscos como desequilíbrios hormonais, reações alérgicas e exposição a produtos químicos como parabenos, ftalatos, sulfatos e formaldeído.
Bautista explicou que os chamados “influenciadores” em plataformas de mídia social como TikTok e Instagram têm suas próprias marcas de maquiagem. Em seu estudo, diversas amostras de batons e sombras contendo metais pesados vieram de influenciadores de beleza.
“Eles nem sabem o que estão vendendo, mas estão promovendo, e está cheio de metais pesados (…) Se eu tivesse filhas, diria a elas: ‘Esqueçam essas marcas influenciadoras baratas’”.
Ameaça de longo prazo
Avaliar o impacto destes produtos na saúde é um desafio porque os danos se desenvolvem lentamente.
“Não é fácil estudar”, disse Martha Téllez-Rojo, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Pública do México. Ela acrescentou: “Se eu usar um desodorante com alumínio hoje (…) é um processo muito lento”.
Sua equipe acompanhou 800 mulheres e seus filhos na Cidade do México por mais de 30 anos. Na maioria dos casos, eles encontraram vestígios de metais pesados na urina e evidências de efeitos hormonais e de neurodesenvolvimento precoces, revelando que essas substâncias podem ser transmitidas da mãe para o bebê.
“Não sei dizer se é o desodorante, o creme ou o delineador, mas há metabólitos na urina associados a efeitos que observamos desde muito cedo, muito pequenos, que se acumulam e afetam o neurodesenvolvimento, o sistema endócrino, os padrões de sono ou o processamento lipídico”, explicou Téllez-Rojo.
A especialista em nanotecnologia Paulina Abrica González, do Instituto Politécnico Nacional do México, concorda que estudar essas associações é difícil e demorado. Ela se concentra na avaliação dos danos potenciais das nanopartículas usadas em cosméticos para dar à pele uma aparência mais lisa.
“Posso não usar muita maquiagem, mas aplico diariamente (…) E usamos quase toda a vida, desde tenra idade ou na infância, então o que veremos são os efeitos a longo prazo”, disse ela.
Abrica e sua equipe usaram testes em animais conhecidos como ensaios cometa para testar nanopartículas de óxido de titânio encontradas em cosméticos quanto à genotoxicidade – a capacidade de uma substância de danificar o material genético (DNA) em uma célula. Este dano pode levar a mutações, que podem resultar em doenças como câncer ou defeitos congênitos.
Embora tenham encontrado maiores danos no DNA em concentrações mais elevadas de nanopartículas, leva tempo para a substância se acumular. Abrica disse: “Não teremos resultados nos próximos cinco ou dez anos”.
O investigador alertou que isto representa um desafio para os órgãos reguladores que avaliam – e aprovam – a segurança dos cosméticos com base em testes imediatos que podem não ser adequados para determinar os efeitos a longo prazo. “É por isso que muitas vezes descobrimos tarde demais que um produto é prejudicial”, acrescentou.
Princípio da precaução
Os especialistas concordam que o tempo necessário para gerar provas não deve atrasar a regulamentação.
“Não é que queiramos dizer: ‘Não use nanopartículas!’ (…) Mas queremos aumentar a conscientização sobre as concentrações, os tipos de nanopartículas e os tipos de pele”, disse Abrica.
Os consumidores, acrescentou ela, merecem transparência sobre ingredientes e concentrações.
Torres concordou: “Acredito que, como consumidores, temos o direito de exigir saber o que colocamos em nossos produtos. Sim, comprarei o seu creme, mas diga-me o que contém”.
Bautista acredita que se o risco for particularmente elevado, os consumidores devem ser alertados. “Isso se chama princípio da precaução (…) Se aplicássemos o princípio da precaução, muitos produtos cosméticos, batons e sombras seriam retirados do mercado”, afirmou.
Em última análise, alertou: “Temos que parar de usar estes produtos (…) A utilização destes produtos por menores deve ser estritamente proibida”.
No entanto, as vendas informais continuam em toda a região. Para muitos, a escolha é económica. Como disse Urquiza, a vendedora de maquiagem: “Se tivessem rótulos seriam mais caros e não teríamos condições de comprá-los, e os pobres também têm o direito de ter uma boa aparência, certo?”
A SciDev.Net solicitou comentários das autoridades de saúde do México e do Peru, mas não recebeu respostas antes da publicação.
Fornecido por SciDev.Net
Citação: Beleza tóxica: riscos para a saúde do comércio de cosméticos na América Latina (2025, 10 de novembro) recuperado em 10 de novembro de 2025 em
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