Nos bastidores da COP30: como chegaram ao acordo final | Notícias de ciência, clima e tecnologia
Foi o confronto que ninguém queria. Mas no final, salvou a cimeira do clima.
À medida que o relógio passava das 18h de sexta-feira em Belém, Brasila questão que, com ou sem razão, veio a definir as negociações climáticas da ONU deste ano ainda não foi resolvida.
A grande questão sem resposta era como falar sobre combustíveis fósseis: duas palavras pateticamente controversas para uma cimeira que tenta combater as alterações climáticas, dado que são a causa principal.
Mas foram necessárias 28 reuniões da COP para nomear essas palavras num acordo. Finalmente, a promessa veio em Dubai em 2023 de “fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis”.
A decisão, conhecida como “consenso dos Emirados Árabes Unidos”, foi saudada como “histórica” na época.
Mas poucos países fizeram muito a esse respeito desde então.
Dois anos depois, no Brasil, um impulso para um plano em COP30 sobre como realmente fazer a transição dos combustíveis fósseis ganhou força, obtendo o apoio de pelo menos 80 países.
Eles já tinham definido a meta em Dubai, tratava-se de como chegar lá.
A proposta tornou-se mais credível pelo facto de não serem apenas os europeus ricos, como o Reino Unido e a Alemanha, eles próprios com poucos combustíveis fósseis, que a apoiavam.
Foi também apoiado por países como a Serra Leoa, rica em petróleo, onde duas em cada três pessoas ainda precisam de electricidade, e a Colômbia, grande produtor de carvão.
Mas era demais para as economias que dependem de combustíveis fósseis, como a Rússia e o grupo negociador árabe.
Um rascunho bombástico do acordo final que chegou à mesa na sexta-feira excluiu todas as três propostas anteriores para um plano de combustíveis fósseis.
O comissário da União Europeia, Wopke Hoekstra, ficou furioso. “Essa situação atual é claramente um fracasso, e precisaremos reforçá-la significativamente”, disse ele enquanto avançava pela tenda principal da conferência, ladeado por assessores e jornalistas em busca de frases de efeito.
“Se isso não acontecer, estaremos claramente diante de um cenário sem acordo.”
A Colômbia estava cuspindo penas. “Não podemos aceitar um texto que não trata dos problemas reais. Não ficaremos calados”, trovejou a ministra do Meio Ambiente, Irene Velez Torres.
Uma reunião sufocante de ministros, abafada pelo som dos geradores e da chuva amazônica batendo na tenda acima, não rendeu nada.
O poderoso a noite toda
Depois veio a sessão noturna de mais de 12 horas que quase interrompeu todo o processo – antes de finalmente quebrar o impasse.
No início da noite de sexta-feira, no andar de cima da conferência patrulhada pela ONU, o presidente brasileiro das negociações, André Aranha Correa do Lago, reuniu-se com cerca de 80 pessoas de diferentes grupos de negociação.
Os protagonistas, por um lado, incluíam a China, a Arábia Saudita e a Índia, que de facto já estão a fazer a transição dos seus sistemas energéticos para longe dos combustíveis fósseis, mas ressentem-se de serem instruídos a acelerar por parte de países que já enriqueceram com as suas próprias revoluções industriais movidas a combustíveis fósseis.
Do outro lado do abismo ainda enorme estavam o Reino Unido, a UE, os países latino-americanos e os pequenos Estados insulares, que pensavam que a credibilidade do processo COP estaria em jogo se não avançassem no combate aos combustíveis fósseis.
Foi uma disputa sobre semântica, mas no seu cerne a tensão residia na necessidade premente de agir mais rapidamente em relação às alterações climáticas e quem é o culpado por essa urgência.
É neste momento que vale a pena ter feito progressos rápidos na acção climática no seu país, como o Reino Unido fez em geral, porque isso fortalece a sua mão quando se pede a outros países que façam mais.
Mas os dois grupos permaneceram diametralmente opostos. As COP são sempre tensas no final, mas os riscos pareciam mais elevados do que nos anos anteriores porque os países estavam a considerar abandonar o processo.
“Parecia estar no fio da navalha”, disse alguém próximo das negociações, falando sob condição de anonimato, como fazem todos os diplomatas na COP para proteger as relações.
O secretário de energia do Reino Unido, Ed Miliband, disse no sábado: “Passei grande parte da noite pensando, genuinamente, que não conseguiríamos um acordo e, para nós, estávamos dispostos a desistir”.
Navios de cruzeiro, café e biscoitos
A sessão que durou toda a noite foi animada por café que chegava a cada duas horas, biscoitos salgados e tradicionais bolinhos de queijo brasileiro.
“Várias pessoas chegaram durante a noite. (A ministra do clima do Brasil) Marina Silva estava lá em determinado momento. Importantes figuras chinesas e sauditas apareceram possivelmente às 4 ou 5 da manhã, mas perdi a noção do tempo”, disse uma pessoa familiarizada com o que aconteceu.
Alguns assessores saíram para fazer o check-out do navio de cruzeiro onde estavam hospedados – trazido pelo Brasil devido à falta de quartos de hotel na precária Belém – antes de rumores de que ele zarparia às 8h de sábado.
Outros não conseguiam manter os olhos abertos.
“Havia pessoas negociando em uma ponta do sofá e roncando na outra”, disse outra pessoa presente à Sky News.
“Outra pessoa estava sentada no chão, segurando um extintor de incêndio, dormindo. Estava quente.”
Ao sediar a COP na orla da floresta amazônica, o Brasil deu aos visitantes um gostinho da vida em um mundo mais quente: calor quase diário de 30°C, 80% de umidade e chuvas torrenciais que inundam estradas e destroem meios de subsistência.
Um novo amanhecer
Dentro do local, finalmente, ao nascer do sol da manhã de sábado, um caminho surgiu.
Os ministros e negociadores com os olhos turvos, que ainda estavam de pé por volta das 6h da manhã, perceberam que poderiam sugerir um plano de combustíveis fósseis, mas sem dizer as palavras em voz alta.
O acordo final é uma farsa: promete “acelerar a implementação”, tendo em conta decisões anteriores “como o Consenso dos Emirados Árabes Unidos” – numa homenagem ao compromisso anterior em matéria de combustíveis fósseis.
Ed Miliband disse: “Pensamos que deveria haver um reconhecimento do consenso dos Emirados Árabes Unidos… Pensámos que não o conseguiríamos. Pensámos que estávamos potencialmente à procura de nenhum acordo.
“E então, pouco antes das sete da manhã, isso se abriu, e foi isso que abriu espaço para que houvesse um acordo.”
Os países progressistas em termos climáticos não queriam realmente sair sem nada – temendo que um colapso pudesse favorecer Donald Trump, que está a retirar os EUA do processo. Assim, aceitaram o compromisso e um processo voluntário sobre combustíveis fósseis a ser lançado fora do processo COP.
Aplausos mascarados de decepção
Houve então algumas horas para voltar correndo aos hotéis, talvez dormir 90 minutos e tomar um banho, antes de voltar para a sessão de encerramento para ver o acordo assinado. Nada é oficial até que o martelo final caia.
“O que me impressionou naqueles momentos foi que ninguém naquela sala realmente queria ser a pessoa que derrubou a coisa”, disse Miliband, com os olhos turvos, no sábado, parecendo que poderia tombar a qualquer momento.
“Mas na verdade havia uma vontade de manter o show na estrada.”
Outra fonte disse à Sky News que a China estava ansiosa por chegar a um acordo.
De volta ao plenário, o acordo era tão frágil que muitos temiam que tudo ainda pudesse desmoronar.
Quando o presidente da COP, Sr. do Lago, proclamou o acordo feito e bateu o seu martelo cerimonial, a sala irrompeu em aplausos de pé.
A verdade é que os aplausos mascararam muita decepção.
A COP é o teste anual à apetência mundial para combater as alterações climáticas e trabalhar em conjunto – e ambos estão a sair de moda.
O que eles estavam realmente aplaudindo era que tivessem algum acordo.
Alguns raios de esperança vieram de outras promessas de finalmente triplicar o dinheiro para os países em desenvolvimento fazerem face a condições climáticas cada vez mais extremas, de mais dinheiro para as florestas e do reconhecimento de que a mudança para energia limpa precisa de ser justa para os trabalhadores e as comunidades.
O pacote final não foi a glória do processo COP.
Foi uma cola que manteve o processo unido, num mundo fraturado, por enquanto.
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