A matéria escura pode estar iluminando o coração da Via Láctea
Novas descobertas sugerem que a matéria escura pode mais uma vez ser a peça que faltava num dos enigmas mais antigos da astronomia: o estranho excesso de raios gama que brilham no núcleo da Via Láctea. Ao recriar o turbulento início da vida da galáxia e as enormes colisões que a moldaram, os cientistas descobriram que a matéria escura perto do centro pode estar organizada de forma muito diferente do que se pensava. Esta nova configuração corresponde de perto ao misterioso padrão de radiação visto pela primeira vez pelo telescópio Fermi da NASA, restaurando a matéria escura como uma forte candidata para explicar o coração brilhante da Via Láctea.
O novo estudo deu nova vida a um dos debates mais persistentes da astrofísica: o que está a causar o poderoso brilho de raios gama no centro da nossa galáxia?
Stefan Gottlöber do Instituto Leibniz de Astrofísica Potsdam (AIP), em colaboração com o professor Yehuda Hoffman do Instituto de Física Racah da Universidade Hebraica de Jerusalém e o professor Joseph Silk da Universidade de Oxford, a pesquisa aparece em Cartas de revisão física. O seu trabalho utiliza simulações cosmológicas avançadas para testar se a matéria escura – o material invisível que se pensa constituir a maior parte do Universo – ainda pode ser responsável pelo excedente de radiação de alta energia detectada pela primeira vez pelo Telescópio Espacial de Raios Gama Fermi da NASA.
Revisitando o Excesso do Centro Galáctico
Durante mais de uma década, os cientistas têm lutado contra o chamado “Excesso do Centro Galáctico”, uma onda inesperada de raios gama provenientes do coração da Via Láctea. No início, os investigadores suspeitaram que as partículas de matéria escura poderiam estar a colidir e aniquilar-se umas às outras, criando intensas explosões de radiação. No entanto, o padrão observado dos raios gama não se ajustava exatamente à forma esperada das distribuições da matéria escura. Esta discrepância levou muitos a favorecer outra explicação: estrelas de nêutrons antigas e de rotação rápida, conhecidas como pulsares de milissegundos.
Para testar as possibilidades, a equipe recorreu ao Hestia, uma série de simulações de alta resolução projetadas para modelar galáxias como a Via Láctea em ambientes cósmicos realistas. Ao reconstituir as fusões violentas e o início caótico da galáxia, os investigadores descobriram que estes eventos antigos podem ter alterado significativamente a forma e a densidade da matéria escura no seu núcleo.
Os seus resultados revelam uma estrutura de matéria escura não esférica muito mais complexa do que os modelos anteriores previam – uma estrutura que reproduz naturalmente a propagação dos raios gama sem a necessidade de invocar um grande número de pulsares.
O passado caótico da Via Láctea deixa uma marca
“A história de colisões e crescimento da Via Láctea deixa impressões claras sobre como a matéria escura está organizada no seu núcleo”, explicaram os investigadores. “Quando consideramos isso, o sinal de raios gama parece muito mais com algo que a matéria escura poderia explicar.”
Embora o estudo não encerre o debate, ele restabelece a matéria escura como uma explicação importante para um dos fenómenos mais intrigantes da astronomia moderna.
Observatórios futuros, como o Cherenkov Telescope Array, capaz de detectar raios gama de energia ainda mais elevada, fornecerão testes mais precisos destas teorias concorrentes. Estes instrumentos poderão confirmar se o brilho provém realmente da matéria escura ou se outro processo cósmico é o responsável.
“Este estudo dá-nos uma nova forma de interpretar um dos sinais mais intrigantes do céu”, disse a equipa. “Ou confirmaremos que a matéria escura deixa um rastro observável – ou aprenderemos algo inteiramente novo sobre a própria Via Láctea.”
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